sábado, 25 de março de 2017
Amigo buraco (crônica de Silveira Rocha)
Olá amigo buraco. Depois de muito tempo em que vou e venho por esse caminho, sempre desviando de você - sempre xingando as genitoras dos que deixaram você nascer e o criam - à espera de que você se transforme numa cratera – decidi parar, cumprimentá-lo, pedir desculpa pela minha falta de educação em nunca antes tê-lo cumprimentado, e também, por eu haver julgado que você é o culpado pelas vezes em que quebrei a roda do carro, estourei o pneu, em que travei a coluna quando andando de moto ou que você tenha me atingido no saco.
Claro que eu sei que você não tem culpa. Afinal, o que você ganha ficando ai exposto a sol e chuva, sendo algumas vezes invadido pela lama e constantemente aturdido pelos ataques dos pneus.
Eu imagino mesmo o quanto deve ser triste ser um buraco e ser visto como inimigo dos transportes e das pessoas. Mas não fique triste amigo, pois aqui nesta cidade existem milhares de buracos tristes e frios como você, todos à espera de cobertores.
Você se lembra de quando a sua vida começou? Ah, então você ainda é novinho. Sim, porque faz pouco tempo que o Veveu sumiu. Cá para nós, e que ninguém mais saiba, buraquinho, aquela ali foi a gestão mais buraqueira da estória desta terra. Ache graça não meu amigo, pois é a mais pura verdade.
E ai, o que você sonha ser quando crescer? Quem sabe você se transforme numa galeria, ou numa rede de esgotos... Longe de você ser uma poça de lama. Isso é o que de pior pode acontecer na vida de um buraco.
Sim amigo! Sem problema. Está tudo explicado. Eu prometo que daqui em diante irei cumprimentá-lo todas as vezes que eu passar com aqui, e que passarei com jeito, que é para a gente não se machucar. Prometo ainda que não irei mais xingar as mães dos gestores, pois não foram elas que o colocaram ai.
Bate buraco! A gente de agora em diante é amigo sim, e vamos conversar mais vezes, ao menos enquanto a usina de asfalto estiver sem funcionar. Na verdade eu nem vou querer estar aqui no dia em que forem enterrar você, pois a saudade será grande demais.
Eu lhe desejo boa sorte, e espero que você não cresça demais e acabe servindo de passagem para o povo do Japão invadir nossa Sobral.
Abraço, buraco amigo.
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